Primitivamente chamava-se aos Labradores "pequenos Terra-nova" e ambas as raças apresentam a particularidade física de possuírem os dedos ligados por uma membrana. O Terra-nova recebeu a influência dos mastins, o que lhe proporcionou um maior porte, esqueleto forte e um pêlo mais comprido. Esses mastins tiveram seguramente origem nas montanhas dos Pirenéus, para aí levados pelos marinheiros bascos que se dedicavam à caça da baleia.
Preparados para o frio
A latitude da Terra Nova faz daquelas terras uma região inóspita, fustigada por frios tremendos. Por isso é natural que as raças de cães adaptadas ao seu clima possuam características físicas apropriadas que as defendam das temperaturas baixas. Ao olharmos para um labrador podemos apreciar por um lado o seu corpo roliço, forte, com um bom tecido adiposo sob a pele que serve de câmara protectora contra o frio, e por outro um manto de pelagem apertada, espessa e impermeável. O seu tamanho, não muito grande (originariamente estes cães eram mais pequenos do que os actuais, produtos da criação britânica), o seu peito largo, que lhes permitia uma boa respiração para nadar nas águas geladas do Atlântico Norte, os seus pés com membrana, e a seu manto impermeável, faziam do labrador o cão perfeito para acompanhar as grandes barcaças de pesca e atirar-se à água, se fosse necessário, para recuperar uma rede ou um objecto que tivesse caído.
A sua evolução para caçador
Muito provavelmente, a história desta raça teria sido outra e até talvez desaparecesse, absorvida pela do seu irmão mais velho - o Terra-nova - se não se tivesse feito a fascinante descoberta de que este cão também era bom para a caça. A ilha da Terra Nova é rica em caça, especialmente em espécies aquáticas.
Os labradores eram usados com assiduidade nestas tarefas, recuperando as peças abatidas pelas espingardas e talvez até se tenham cruzado com cães cobradores e levantadores, tipo Spaniei, procedentes do Reino Unido. Nos anos compreendidos entre 1750 e 1810, incluindo duas décadas antes e duas depois, este cobrador perfeito vai-se formando. Foram anos em que também ainda não tinham aparecido os modernos cães de exposição, que naquela altura se encontravam em período de gestação. Um cão levantador e cobrador é o animal perfeito para caçar aves aquáticas. Naquela época, os cães procedentes de linhas de sangue empregadas na caça eram denominados "Cães de São João". Estas circunstâncias fizeram com que os labradores adquirissem uma boa reputação como
cães de caça e despertassem o interesse de alguns nobres e cavaleiros que viajavam por aquelas terras.
A viagem à Grã-Bretanha
Corria o ano de 1825 quando o terceiro conde de Malmsbury conheceu e se interessou por aqueles cães de São João, tendo mandado levar alguns exemplares para terras britânicas. Foi o seu filho quem empreendeu a criação sistemática da raça e a ele se deve, inclusivamente, a mudança de nome, tendo sido o primeiro a chamar-lhes cobradores do labrador ou Labrador Retriever.
Em 1870 já a raça havia adquirido presença e qualidade e as revistas de caça desportiva daquela época mencionavam um cão de constituição simétrica, não isento de elegância, dotado de um temperamento equilibrado e com aptidões naturais para o cobro. Foi sem dúvida o temperamento e a habilidade cinegética da raça que permitiram a estes cães colocarem-se rapidamente entre os preferidos do "sportman" britânico.
Raça reconhecida e cores
O Kennel Club britânico reconheceu oficialmente a raça como Labrador Retriever em 1903 e um ano mais tarde incluía-o dentro do grupo dos cães de caça. Isto foi um êxito, comparando com as inúmeras raças que demoraram décadas a abandonar o grupo misto, onde competem todas as raças sem implementação no país, de modo a formarem um grupo concreto. Os Labradores primitivos eram todos de cor negra. Todavia, em 1903, o Kennel britânico ainda não tinha feito uma classificação dos cães cobradores e por isso, nessa época, inscreveram-se cães-irmãos como o Golden (dourado) e labrador (negro), sem mencionar a textura e o comprimento do pêlo. Provavelmente, estes Golden não foram mais do que os primeiros labradores de cor amarelo-camurça. A cor castanha é, contudo, mais recente, e teve origem nos canis do famoso criador Buccleuch. Ao princípio eram cães castanhos com pêlo ondulado. Buccleuch foi ao afixo que inscreveu os primeiros sete Labradores nos registos de caça do Kennel Ctub e ao seu trabalho se deve um dos melhores machos de cobrição e campeões de "field" da sua época, o cão Peter of Faskally. É quase impossível encontrar uma linha de cães de campo na Grã-Bretanha ou Estados Unidos, nestes
primeiros anos, que não tenha, nas suas veias, o sangue de Peter of Faskally. O responsável pela difusão da cor dourada é outro cão destacado, Bem of Hyde, nascido em 1899, e que foi empregue como macho de cobrição em numerosas fêmeas, daí resultando os melhores labradores dourados do país.
O nascimento do clube
Em 1916, tendo em consideração a difusão que a raça já tinha alcançado e a necessidade de introduzir critérios de selecção e protecção da mesma, dois grandes aficcionados, a senhora Howe e Lord Knutsford, fundaram o clube da raça. Em 1920, este clube organizou a primeira prova de campo exclusiva para cães labradores. O primeiro padrão racial foi redigido por Lord Knutsford, em 1923, e a verdade é
que desde então tem sido submetida a pouquíssimas alterações. Esta é uma característica comum à maioria dos estalões britânicos, que geralmente são muito minimalistas na sua redacção inicial, correspondendo à cultura cinológica do momento, correntes de opinião de juizes, criadores e meios de comunicação e estabelecendo as mudanças que a raça vai experimentando em consequência dos gostos ou tendências de cada época. Isto é muito mais vantajoso do que os estalões maximalistas, que são os que imperam em países como a Espanha ou Itália, e que têm de sofrer alterações periodicamente.
Logo ap6s a primeira prova de campo, o título de campeão dual adquiriu um grande prestígio. Este título era alcançado pelo cão que conseguisse fazer um campeonato duplo com êxito, isto é, tanto na parte da beleza, tanto na de trabalho. A senhora Howe criou um contingente de campeões duais. O primeiro foi Banchory Bolo, filho do primeiro labrador que a senhora Howe teve, de nome Scandal.
O regresso aos Estados Unidos
O labrador é hoje uma das raças mais populares nos Estados Unidos, tanto como animal de companhia como na vertente de cão de caça, contando com centenas de associações por todo o país, que velam pelos seus cuidados e promoção.
Mas os cães americanos não são oriundos da ilha da Terra Nova, pois são filhos de cães britânicos levados para o Novo Mundo no princípio do século XX. A senhora Howe ofereceu vários Labradores a reputados "sportman" de Long Island (Nova Iorque) antes da Primeira Grande Guerra Mundial. A primeira inscrição da raça nos registos do American Kennel Club teve lugar em 1917 e tratava-se de uma fêmea, oriunda da Escócia, chamada Brocklehirst Floss. A inscrição nos registos do American Kennel Club não pressupõe o reconhecimento imediato de uma raça, mas sim o início de um processo que se conclui com o reconhecimento oficial ou com o afastamento.
A raça foi oficialmente reconhecida em 1932. A sua difusão nos Estados Unidos está estreitamente ligada à emigração escocesa. A caça era praticada como desporto, tal como na Europa, por uma minoria ligada à nobreza de sangue ou de dinheiro. Os caçadores americanos mais abonados, para evitar que se caçasse nas suas extensas terras, levaram consigo, desde a Escócia, guardadores de bosques, pois os mais acreditados eram originários daquela terra. Assim, eles encarregaram-se de levar e cuidar dos primeiros labradores, que os auxiliavam na
caça e faziam o cobro das peças abatidas pelos "sportman". O Labrador Retrievers Club dos Estados Unidos foi fundado em 1931, pela mão de Franclin B. Lord, que foi também quem organizou a primeira prova de campo nesse ano. Naquela altura competiram 27 cães perfeitamente adestrados. A primeira exposição de beleza do clube organizou-se dois anos mais tarde, em 1933, sinal inequívoco de que naquela época o cão de trabalho interessava mais. Ganhou um exemplar criado pela senhora Howe, propriedade do fundador do clube. Dos numerosos clubes de Retrievers do Labrador que convivem nos Estados Unidos, este primeiro, que continua filiado no American Kennel Club, é sem dúvida o mais polémico: ainda hoje é exclusivo para homens, ou seja, as mulheres não podem inscrever-se nele.
Além disso, nem todos os homens podem aderir livremente, pois é necessário o consentimento de três sócios. Pretende-se com tudo isto velar para que o clube esteja apenas reservado aos desportistas de classe social alta.
Labrador americano ou inglês
A cinologia americana é inovadora e moderna, enquanto a inglesa é conservadora, baseada em conceitos e gostos clássicos.
O estalão do American Kennel Club exige à raça uma altura à cruz cinco centímetros mais alta do que o inglês. Em consequência disso, os campeões britânicos não podem participar nas exposições americanas, pois são desclassificados por serem mais pequenos.
Deste modo, nos Estados Unidos produz-se um desvio do tipo inicial de todas as raças que adquirem popularidade. Além disso, a grande difusão do labrador na América como cão de trabalho criou as suas próprias linhas de sangue.
Os partidários do cão de trabalho censuram os cães de exposição pelo seu tamanho excessivamente corpulento, aspecto pesado e temperamento linfático. Por seu lado, os defensores das exposições acusam os cães de trabalho de falta de essência e de possuírem um temperamento demasiado nervoso. Esta polémica, que faz parte da maneira de ser americana, torna o labrador na raça mais popular dos Estados Unidos e as inscrições ultrapassam anualmente os 100 mil exemplares.
Um cão da realeza
É frequente, nas revistas "cor-de-rosa", verem-se fotografias da rainha de Inglaterra ou do seu filho, o príncipe Carlos, na companhia de um ou vários labradores. A família real britânica sempre esteve unida, desde o início, à história do Labrador. O rei Jorge VI foi um grande aficcionado da raça, com a qual caçava com muita frequência, e a rainha Isabel II sempre apresentou numerosos labradores nas exposições caninas, procedentes do seu estabelecimento de criação e antigo afixo Wolverton (actualmente Sandrigham). Durante décadas era normal a articipação de labradores procedentes dos canis reais, tanto em Crufts como em provas de campo. O rei Jorge VI foi o patrocinador do Labrador Club, uma atitude que perdurou no tempo pois ainda hoje a prova de campo final do clube conta com o apoio da família real. Esta prova realiza-se todos os anos nas terras de caça de Sandrigham, em East Anglia, propriedade dos monarcas, e conta com a presença da rainha na assistência